terça-feira, 12 de maio de 2009

DOIS POEMAS EM PROSA

UM FRAGMENTO DE IGITUR

“Sobre as cinzas dos astros, as indivisas da família, estava o pobre personagem, deitado após haver bebido a gota de nada que falta ao mar. (O frasco vazio, loucura, tudo o que resta do castelo?) O Nada tendo partido, resta o castelo da pureza.”

(Fragmento de Igitur ou A Loucura de Elbehnon, de Stéphane Mallarmé. Trad.: José Lino Grunewald. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984)


UM FRAGMENTO DOS CANTOS DE MALDOROR

“Eu fiz um pacto com a prostituição, a fim de semear a desordem entre as famílias. Recordo-me da noite que precedeu essa perigosa ligação. Vi a minha frente um túmulo. Escutei um vaga-lume, do tamanho de uma casa, dizer-me: ‘Vou te iluminar. Lê a inscrição. Não é de mim que vem essa ordem suprema’. Uma vasta luz cor de sangue, ante cujo aspecto meus maxilares bateram e meus braços tombaram inertes, derramou-se pelos ares até o horizonte. Apoiei-me a um muro em ruínas, pois ia cair, e li: ‘Aqui jaz um adolescente que morreu tuberculoso: sabeis por quê. não orai por ele’. Muitos homens talvez não tivessem tanta coragem quanto eu. Enquanto isso, uma bela mulher nua veio deitar-se a meus pés. Eu para ela, com uma expressão triste: ‘Podes te erguer’. Estendi-lhe a mão com a qual o fratricida degola sua irmã. O vaga-leme, para mim: ‘Tu, pega uma pedra e mata-a.’ — ‘Por quê?’, disse-lhe eu. ele, para mim: ‘Toma cuidado, tu, o mais fraco, pois sou o mais forte. Essa aí se chama a Prostituição.’ As lágrimas nos olhos, a raiva no coração, senti nascer em mim uma força desconhecida. Peguei uma grande pedra; depois de muitos esforços, levantei-a com dificuldade até a altura do meu peito; coloquei-a sobre o ombro com o braço, escalei uma elevada montanha até o topo; dali, esmaguei o vaga-lume.”

(Fragmento de Os Cantos de Maldoror, de Lautréamont. Trad.: Claudio Willer. São Paulo: Iluminuras, 1997)

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