sábado, 27 de junho de 2009

GALERIA: HAROLDO DE CAMPOS


SOBRE O RITMO NA POESIA (I)

O que é ritmo?

Segundo o Dicionário de Termos Literários, de Massaud Moisés, essa palavra vem do grego rhythmós, movimento regrado e medido, cognato de rhein, que significa fluir.

Diz Massaud Moisés: “Dos tópicos mais controvertidos em matéria de estética, o ritmo designava na origem o fluxo dos rios ou o movimento das vagas oceânicas. Ligava-se portanto à Natureza, e como tal permitia que se lhe atribuíssem ‘raízes biológicas, pois quase todos os processos vitais possuem sentido rítmico. A vida do homem governa-se por meio dos ritmos cardíacos, hepáticos, cerebrais etc. Existem também ritmos na formação do mundo mineral e na manifestação dos fenômenos da chuva, dos eclipses etc. (...) O ritmo cósmico e o que o homem percebe em si, em sua existência somática, reúne-se com o que o criou no trabalho. Karl Burcher situou no trabalho a origem do ritmo humano.”

Dessa primeira definição de Massaud Moisés, podemos deduzir os seguintes sentidos para a palavra ritmo:

1) é um processo que existe na natureza, no homem e em artes como a poesia;
2) esse processo é cíclico, ou seja, acontece de forma regular, segundo determinadas leis, naturais ou não;
3) o ritmo obedece a uma estrutura, baseada no movimento e na variação de elementos;

Partindo do princípio pitagórico de que “Nada há que não seja determinado pelo número”, Aristóteles, na sua Retórica, afirmará o seguinte sobre o ritmo:

“O número, quando aplicado à forma do estilo, é o ritmo, do qual os metros são divisões”. Aristóteles, porém, advertia também que “o discurso deve possuir ritmo, não metro”.

Há numerosas outras definições, como a de Othon Riemann, que diz:

“o ritmo, musical ou poético, é constituído pelo retorno, a intervalos iguais, de um som (nota de música ou sílaba) mais forte que os outros”.

Méderic Dufour diz que

“o ritmo é o que nos impressiona quer a vista, quer o ouvido, pela sua repetição freqüente, com intervalos regulares”.

Stauffer diz:

“recorrência mais ou menos regular de qualquer padrão detectável no tempo”.

Zillman diz:

“a regularidade da recorrência do tempo”.

E Waltz escreve:

“sucessão modulada de sons verbais eufônicos, escolhidos e organizados de molde a oferecer aos ouvidos e ao espírito o deleite de uma sensação musical, acomodada ao sentido das palavras”.

Massaud Moisés, a partir dessas definições, afirma que “o ritmo se caracteriza pelo tempo, pelo movimento e pela continuidade, que produzem o chamado prazer estético”.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

GALERIA: ALLEN GINSBERG


AULA DE 27 DE JUNHO DE 2009

Caros, na próxima aula, no sábado, dia 27 de junho, vamos discutir a questão do ritmo na poesia. Para que vocês comecem a pensar no assunto, cito abaixo uma definição dada por Décio Pignatari, no livro Comunicação Poética:
“Ritmo é uma sucessão ou agrupamento de acentos fracos e fortes, longos e breves. Esses acentos não são absolutos, mas relativos e relacionais — variam de um caso para outro. O ritmo tece uma teia de coesão. O ritmo pressupõe um jogo de fundo e figura. No caso do som, o fundo é o silêncio. O contra-acento é a pausa. (...) O silêncio é parte integrante da música e da poesia.”
(PIGNATARI, Décio. Comunicação Poética. São Paulo, Editora Morais, 1981)

sábado, 20 de junho de 2009

GALERIA: DANTE ALIGHERI


SARAU DO LABORATÓRIO (VIII)


DOIS POEMAS DE LUIZ ARISTON

TENTANDO JOÃO CABRAL
a Jussara Silveira


1. As gentes têm por invisível
comum, senão seu próprio vício,

haver, suas próprias, as artes
ou ser o próprio malas-artes,

que mesmo o canto, por exemplo,
escultura, vem de entre os dentes,

ao ouvido, é bem mais frágil
que o invisível vidro ao tato.

2. O sem-porquê do compromisso
relativo ao valor do ofício

mostra-se mais, mostra-se noite,
quando um suposto ouvinte afoito,

diante do quebra-cabeça,
elege, feito cabra-cega,

em meio a seus pedaços todos,
o menos importante: o autógrafo.

3. Até se expor (e dar nas vistas?)
autografar-se alienígena,

recanto de um canto em um outro,
transplante de um obscuro órgão

de si para si, mas via alguém,
quesito e réplica através.

Anzol em peixe, aquele canto;
este, uma espinha na garganta.


* * *

se for aquilo que se foi que volta
ao paraíso o pecador que torna
em torno desse próprio posto à prova
sentir o sabor de outra boca à boca
é outro o velho gosto que se arrota
sentir o sabor de outra boca à boca
em torno desse próprio posto à prova
ao paraíso o pecador que torna
se for aquilo que se foi que volta

quinta-feira, 18 de junho de 2009

GALERIA: PAUL ÉLUARD


SARAU DO LABORATÓRIO (VII)


LA TIERRA SIN MADRE
(fragmento inicial)

resta o pó


seu olhar negro
semblante
sem brilho


era com-


-o cimento
pesa o
conhecimento
pesava


agora é como
cão sem peixes
signo inexist
ente ao mar


e mais outros cem peixes ao fundo
multiplicando-se para além do pó


(...)


semblante negro
cem peixes
sem madre


bem dito o pó da notícia
inda vem a perícia

benditas
pérolas,
oro só:
hosana!


(Fragmentos do poema La tierra sin madre, de Sílvia Nogueira)

GALERIA: ANDRÉ BRETON


quinta-feira, 11 de junho de 2009

SARAU DO LABORATÓRIO (VI)

Não me olhes com olhos de ontem. Não será possível nenhuma ponte entre nós. Olhe-me hoje, façamos um vocabulário do sol claro na janela, da noite que passamos solitários e que sustenta esta vontade de olhar.


* * *

Um salto por vez. Nunca o fatal.
Vivo para o preparo de uma refeição que nunca será comungada.
A eucaristia final é terrível, não pode ser praticada.


* * *

Festejar seus mortos: tarefa que só os vivos podem fazer. Morte e vida, nada mais que revoluções internas.


(Três poemas de Angela Castelo Branco, do livro Orações.)

segunda-feira, 8 de junho de 2009

PRÓXIMA AULA, 20 DE JUNHO

Caros, na última aula, nós conversamos sobre O Lance de Dados e o Livro inacabado, de Mallarmé. No próximo dia 13, não haverá aula, pois estarei no Rio de Janeiro, participando do evento Artimanhas Poéticas. Voltaremos a nos encontrar no dia 20, para fazermos a leitura e discussão dos poemas produzidos por vocês, que no segundo semestre serão publicados numa plaquete produzida pelo próprio Ateliê do Centro. E vamos organizar também um recital, para o lançamento, por isso, mãos à obra!!!

terça-feira, 2 de junho de 2009

SARAU DO LABORATÓRIO (V)

BALLAD OF SAD CAFÉ

I

Eros e Tanatos.
Dizem que dançam
fox-trot desde que
o sol deitou sobre
o mar de Mykonos:
Fiat lux.

Então, querido, antes
que chicotes floresçam
na palma das mãos
e a mágoa apodreça o ar
Antes ainda da pena,
do desgosto, das línguas de fogo
antes que restem somente
assobios, olhares de chumbo
Que os vagalhões se
suicidem na areia.

II

Não. Beijo, mordo
nos flancos, injeto
primaveras no peito:
E.V.
O músculo entoará
cânticos - lírios -
mezzo-soprano.
Sabe: não embarco
naquele trem.

III

Os amores mais brilhantes
apagam. O sol de maio
impõe suplícios. Torturas,
amarras, ataduras.
Cicatrizes jamais lacradas:
Xanax.

IV

Beijo.
O universo perece. Sei.
Escravizo espíritos:
Assim.

(Poema de Carol Marossi)

segunda-feira, 1 de junho de 2009

SARAU DO LABORATÓRIO (IV)

ARGILA

Amassa a fábula
a água clara
sujas as mãos
os dedos molhados
em signos
o quebra-cabeça
ensina

A massa, a estátua
no fluxo a textura
repassa a figura
o formato charada
gratifica ações
brincam os
enigmas

A massa na graça
a ideologia na peça
cria a modelagem
alegrias, emblemas
a lua vigia
a estrela na lida
o sol se põe
elucida

(Poema de Laura Helena Sodré Ribeiro Torres)