terça-feira, 18 de outubro de 2016




Não seria um milagre caso desvelasse a rota desse destino ignorado? E se na hora derradeira enxergasse com lentes precisas Urano, Ponto e Óreas, entenderia então que é esse tempo o mais absoluto dos deuses. Em que trilha seguir? Em qual dos mapas Campos de Heliantos aparece? Nem na argila, na madeira, nas peles de animais ou nas rochas, é possível decifrar o desenho do teu paradeiro. Teu portulano foi perdido e eu lançada à deriva na imensidão de um oceano, sem cordame, nem timoneiro. Um tombadilho desgovernado. 
“Tragam-me uma bússola”, implorei ao atravessar a linha do Equador e vi a tripulação correr em busca de um nada. Nas mãos, apenas um bilhete de partida. E eu, a certeza que o porto é um pôr-do-sol num mar povoado de glaucos e gaias, o itinerário de aves no final de um dia de solstício, a cauda da cachalote em ziguezague à frente da proa. Meu porto é a sucessiva busca do girassol pelo seu astro. No céu, crepúsculo vermelho, prelúdio de raios e trovões, abalos de titânides, sismo submarino, ninguém está a salvo, mas eu, equilibrista, finco meus pés no tablado, resisto ao desmoronamento das águas. 
Nessa temporada no inferno, um piano toca. A música vestida de seda e de morte desnorteia o convés. A gente mastiga o cansaço e atira-se a triturar o desespero na boca de um tubarão. Os caninos, as lâminas latem e, por fim, tropeço na sombra do meu próprio esqueleto, tombo com a mandíbula em riste. E vejo o sangue, o medo, o sal-saliva e eu, celulose, lasca de cortiça contra as ondas do mar de feras olímpicas. Não, não me afogo fácil. Fogo. Fogo! Gente que corre com a estupidez paralisada. 
E eu amarrada ao meu pedaço de sobrevivência. Flutuo aturdida nesse mundo desconhecido, entrecruzo a loucura na rota das linhas loxodrómicas. Um som surdo de solidão.

Prosa de Grazi Brum 

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